21 set 2012

“Justiça tardia é justiça falha e/ou injustiça.” Essa máxima imortalizada nas palavras de Rui Barbosa serve para os indivíduos em geral – pessoas físicas e/ou jurídicas – se bem que para as empresas, principalmente nesses tempos de globalização, pode representar sua inviabilidade, sua sobrevivência, diante de mercados tão competitivos.

É notório que os tribunais encontram-se abarrotados de processos e a tendência é de aumento à medida que cresce a interdependência dos mercados e a necessidade das pessoas (físicas e/ou jurídicas) verem satisfeitos seus interesses porventura traduzidos em controvérsias. Nesse contexto, o juízo arbitral, mecanismo privado de solução de controvérsias para direitos disponíveis, apresenta-se como meio eficaz para atender aos anseios de cidadãos e empresas.

A Arbitragem está prevista no nosso ordenamento jurídico desde o Código Comercial (Lei n.º 556/1850) que instituiu o juízo arbitral necessário posteriormente revogado (art. 20 da Lei n.º 1.350/1866). Por motivos vários, nunca teve a aceitação e a aplicação merecidas, seja pela doutrina, pela jurisprudência ou mesmo pelas partes contratantes. Foi regulada pelos artigos 1.072 a 1.102 do Código de Processo Civil e pelos artigos 1.037 a 1.048 do Código Civil de 1916.[1]

Os doutrinadores, de modo geral, apontavam como causas da não disseminação do juízo arbitral, a necessidade de homologação da sentença e/ou laudo arbitral e, especialmente, a não executividade da cláusula compromissória.

A Lei n.º 9.307/1996 revogou o Código Civil e o Código de Processo Civil. A nova Lei procurou sanar as falhas existentes na legislação anterior criando mecanismos fortalecedores da sentença arbitral valorizando a autonomia da vontade.

Observe-se, entretanto, que essas inovações não produzirão os efeitos pretendidos se os advogados, como operadores do direito, não alterarem, também, a cultura arraigada da valorização do processo como um fim em si mesmo a exemplo de que “não há, no juízo arbitral, lugar para o advogado excessivamente aguerrido, pronto a criar incidentes que possam favorecer os interesses de seu cliente, explorando tecnicamente (e, portanto, nos limites da lei) as misérias do processo. Espera-se do advogado postura conciliatória, descartadas todas as atitudes procrastinatórias, fazendo imperar o princípio básico da arbitragem: pacta sunt servanda.” [2]

A natureza jurídica da Arbitragem pode ser definida nas lições do Desembargador Cláudio Vianna de Lima que a definiu como o “meio pacífico, ajurisdicional, de justiça privada, alternativa de solução de conflitos de interesses relativos a direitos patrimoniais, a respeito de que a lei admita a transação, pela atividade de estranho, ou estranhos, à divergência, de confiança das partes (os árbitros), e que se funda no princípio da autonomia da vontade.” [3]

A Arbitragem não é meio extintivo de obrigações, e sim, técnica procedimental alternativa de eliminar conflitos de interesse.[4]

As vantagens do procedimento arbitral podem ser definidas pela “a rapidez, a capacitação técnica dos árbitros para questões específicas, discrição do processo, possibilidade de se contornar os conflitos interjurisdicionais – no caso dos contratos internacionais – e até a prerrogativa que têm os árbitros de julgarem pela eqüidade, sem vinculação obrigatória à lei.” [5]

As empresas estrangeiras que se instalaram no Brasil, principalmente em razão do Programa de Privatizações, têm utilizado a Arbitragem para solução de problemas legais surgidos, prática comum nos seus países de origem. A atitude visa atender necessidades básicas como: agilidade, eficiência, sigilo e baixo custo.

As privatizações também foram responsáveis pela consolidação da necessidade de utilização da Lei de Arbitragem, pois antes dela as multinacionais criavam cláusulas contratuais estabelecendo foro internacional para as pendências judiciais alegando como fundamento a morosidade da Justiça Brasileira. A Lei n.º 9.307/1996 veio contribuir para o fim dessa prática evitando julgamentos fora do País.

A nossa Lei de Arbitragem é moderna estando em consonância com as regras e mercados internacionais. O único óbice que havia à sua plena divulgação e utilização era o incidente de inconstitucionalidade já examinado pelo Supremo Tribunal Federal/STF a respeito da exclusão da apreciação do Judiciário de lesão e/ou ameaça de direito (art. 5º, XXXV, da CF/88), ou seja, alguns entendiam que, por conta desse dispositivo, a decisão arbitral poderia vir a ser contestada na Justiça Estatal inviabilizando o uso da Arbitragem.[6]

Todavia, após intensa e demorada discussão no STF, o plenário da nossa Corte Constitucional, por maioria, declarou a constitucionalidade da Lei n.º 9.307/1996, entendendo “que a manifestação de vontade da parte na cláusula compromissória, quando da celebração do contrato, e a permissão legal dada ao juiz para que substitua a vontade da parte recalcitrante em firmar o compromisso não ofendem o art. 5º, XXXV, da CF/1988. (grifamos)

Acrescentamos que, numa interpretação sistemática da Carta Magna, a posição firmada pelo STF ratifica-se à medida que o caput do Dispositivo garante direito à liberdade, expressão maior, donde derivam-se direitos como liberdade de expressão e de silêncio, liberdade de contratar e distratar, liberdade de exigir e de renunciar, etc., inclusive, quanto à apreciação (ou não) do Poder Judiciário sobre determinados assuntos (direitos), contrário censo, a derivação contida no inciso estaria contrariando a regra mor do caput. Alie-se a tal entendimento a existência do princípio constitucional da livre iniciativa (e da livre concorrência – art. 1º, IV, da CF/1988) que também restariam ofendidos ao não prevalecer o direito à liberdade, bem como desatendido o objetivo fundamental da construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I, da CF/1988).

Ainda, não haveria a exclusão da apreciação do Judiciário, e sim, a consolidação da liberdade de pactuar (pacta sunt servanda) na eleição do meio de solução de conflitos, pois o Judiciário poderá ser ouvido caso a sentença arbitral não atenda os requisitos obrigatórios (art. 26).

Portanto, concluímos que a Arbitragem, sem dúvida, é excelente caminho para a solução de litígios que versem sobre direitos disponíveis. A rapidez, o sigilo e o custo são suas maiores vantagens. Depende de ação efetiva envolvendo as instituições a ela ligadas no sentido de divulgá-la e, principalmente, da mudança de mentalidade de advogados, partes, Judiciário e dos demais operadores do Direito para que seus benefícios possam ser auferidos. É necessário que o instituto saia do campo das discussões e ingresse no mundo cotidiano e jurídico efetivamente agora com o respaldo do STF, pois, somente assim, as arestas porventura surgidas poderão ser devida e oportunamente aparadas.

 


[1] MOREIRA, José Carlos Barbosa e CARMONA, Carlos Alberto apud Lima, Cláudio Vianna, in Notícia da Arbitragem no Direito Positivo Brasileiro. Revista Forense, n.º 334, pág. 43/55.

[2] CARMONA, Carlos Alberto. A Nova Lei de Arbitragem no Brasil. Jornal Síntese, pág. 13, março/1997.

[3] Ibidem, pág. 44.

[4] Ibidem, pág. 44.

[5] BARBI FILHO, Celso. Execução Específica de Cláusula Arbitral. Revista de Direito Mercantil, n.º 97, pág. 29-38.

[6] AgRg em Sentença Estrangeira n.º 5.206-7/Reino da Espanha – Relator Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE – Plenário – DJ 30.04.2004.

 

Edino Cezar Franzio de Souza

Advogado – Brasília/DF

Pós-Graduado em Direito Constitucional – USP/SP

Pós-Graduado em Direito Empresarial/MBA – FGV/RJ

Pós-Graduado em Direito Tributário – UCB/DF

Mestre em Direito Processual Civil – Mackenzie/SP

Pós-Graduado em Integração Econômica – Lisboa/Portugal

 Pós-Graduado em Direito Internacional Fiscal – Lisboa/Portugal

Árbitro do Instituto Nacional de Mediação e Arbitragem – INAMA/DF

(ex) Vice-Presidente da Câmara de Arbitragem – INAMA/DF